quarta-feira, 13 de abril de 2011

O Congresso Tiririca

Desde o início da propaganda eleitoral na TV, o palhaço Tiririca, nome artístico do humorista Francisco Oliveira Silva, de 45 anos, candidato a deputado federal em São Paulo pelo PR, repete dois slogans que viraram as marcas de sua campanha. O primeiro é “Vote em Tiririca. Pior que está não fica”. O segundo é “Você sabe o que faz um deputado federal? Eu não sei, mas vote em mim que eu te conto”. O próprio sucesso eleitoral de Tiririca, um dos prováveis campeões de voto para deputado federal, sugere a nulidade do primeiro bordão. Com uma campanha rica e organizada, Tiririca é incapaz de defender ou formular minimamente qualquer proposta e debocha acintosamente do sistema eleitoral. Cerca de 60% dos eleitores acham que arrumar emprego, ajudar aliados e promover eventos de lazer são funções de um deputado federal Só 13% valorizam em primeiro lugar os parlamentares que estudam e participam das votações importantes do país 73% afirmam que o total de deputados federais e senadores da República deveria diminuir Estima-se que, em números absolutos, Tiririca poderá ser o parlamentar mais votado do Brasil, com potencial para atingir mais de 1 milhão de sufrágios. Esse índice seria suficiente para levar em sua garupa mais quatro ou cinco deputados para Brasília, beneficiando candidatos menos votados da coligação, que inclui PT, PCdoB, PRB e PTdoB. Enquanto o primeiro bordão de Tiririca tende a ser desmentido pelos fatos, o segundo resume com precisão um tipo de deficiência que parece generalizado entre os eleitores. Uma pesquisa inédita feita pelo Ibope sobre o grau de conhecimento a respeito das funções de deputados e senadores mostra exatamente aquilo que Tiririca não para de repetir: a maior parte das pessoas aptas a votar não sabe bem ao certo para que serve um congressista. O questionário da pesquisa foi elaborado por ÉPOCA com o auxílio do cientista político Fernando Abrucio e de profissionais do Ibope. A pesquisa mostra que a maioria dos eleitores é capaz de identificar corretamente algumas atribuições dos parlamentares. Quase 90% concordam que “votar pela criação ou reforma de leis” é função de um deputado. Além disso, 83% responderam positivamente à questão sobre a fiscalização do governo federal pelo Legislativo. Mas, em geral, prevalece na cabeça do eleitor a confusão. Eis as principais constatações:  75% dos eleitores afirmam que “realizar obras para a população” é uma das funções inerentes ao cargo de deputado federal. Definição, contratação e execução de obras são atividades reservadas aos Poderes Executivos (prefeituras, governos estaduais e federal). Um deputado tem poder extremamente limitado nesse aspecto. Ele pode, em tese, apenas influenciar na confecção de uma parte do Orçamento da União, o que, de certa forma, acaba influenciando na realização de uma obra. “A maioria dos eleitores pensa que é função do deputado fazer obras porque existem as emendas individuais dos parlamentares ao Orçamento. Enquanto elas vigorarem, a confusão vai continuar”, diz o cientista político Octaciano Nogueira, da Universidade de Brasília (UnB). O alto índice de confusão ocorre porque as emendas individuais permitem aos candidatos a deputado prometer obras que eles não serão capazes de entregar, como pavimentação de estradas e construção de estações e até linhas de metrô.  Para 61% dos eleitores, é função do deputado “ajudar seus aliados de campanha em negócios com o governo”. Apenas 33% discordam dessa afirmação. A conhecida “retribuição” que alguns políticos eleitos costumam dar aos financiadores de campanha é uma das tradições mais danosas da política nacional, fonte de inúmeros casos de corrupção, favorecimento e empreguismo. É por conta desse tipo de problema que se discute a adoção de financiamento público de campanhas, uma forma de livrar os políticos da dependência quase que total de financiamentos privados. O índice de eleitores que não percebem a gravidade dessa prática é alto mesmo entre os mais instruídos. No universo dos que têm ensino superior, 54% afirmaram que é função do deputado, sim, ajudar seus aliados de campanha em negócios estatais.  sociais e de lazer para a população” está entre as funções do deputado. É comum encontrar políticos que conseguem boa votação com patrocínios a times amadores de futebol, bailes de formatura ou festas juninas. Essa tradição antiga, que nada tem a ver com as funções do mandato parlamentar, continua a vigorar porque é vista com bons olhos pelos eleitores, conforme mostra a pesquisa. No Nordeste, três de cada quatro eleitores concordam com a afirmação embutida na pergunta. Na semana passada, a reportagem de ÉPOCA submeteu parte do questionário do Ibope ao candidato Tiririca. Ele também respondeu que é função de um deputado apoiar eventos sociais.  Para 58% dos eleitores, uma das funções de um deputado federal é “ajudar seus eleitores a conseguir emprego”. Gabinetes de deputados federais, estaduais e vereadores costumam receber diariamente inúmeros pedidos de emprego, público ou privado. “É uma prática tão comum que o resultado alto não me surpreende”, diz Márcia Cavallari, diretora do Ibope. “Basta passar um dia numa Câmara de Vereadores para perceber esse tipo de movimentação.” Nem sempre as pessoas estão atrás de emprego público. Muitos imaginam que o político tem influência suficiente para convencer empresas privadas a arrumar uma vaga para seus indicados. É comum encontrar políticos que percebem esse fenômeno como uma oportunidade eleitoral. São os que acabam transformando o gabinete em agência informal de empregos, com cadastro de vagas e banco de dados de pedintes. Trata-se, evidentemente, de uma clara distorção da função parlamentar. Entre os eleitores que ganham até um salário mínimo, 77% acreditam que essa é uma das atribuições de um deputado.

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